
Criar num mundo em crise : luxo ou necessidade?
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Criar num mundo em crise: luxo ou necessidade?
Durante a última exposição em que participei, uma constatação estava na boca de todos: o mercado da arte está a atravessar um período complicado.
Entre incertezas políticas, instabilidade económica e uma sociedade de consumo ultrarrápido, a arte é cada vez mais vista como um luxo não essencial.
Em muitos lares, já não tem lugar entre as despesas consideradas “úteis”.
E, no entanto…
Quando o mundo se retrai, a arte desaparece — ou resiste
A tendência geral é clara: consome-se depressa, deita-se fora, passa-se a outra coisa.
O efémero reina. A obra de arte — que exige tempo para ser observada, sentida, compreendida — parece estar fora de sintonia com os tempos.
Numa época dominada pelo stress coletivo, pela instabilidade e pela dúvida, a compra de uma obra de arte é frequentemente adiada para “mais tarde”.
Mas esse “mais tarde” repete-se… e por vezes nunca chega.
Contudo, mesmo que a arte não cure uma crise, pode ajudar a atravessá-la.
Ela ilumina. Liga. Acalma. Questiona.
E muitas vezes, diz o que as palavras já não conseguem exprimir.
O artista: farol discreto ou voz marginalizada?
Neste contexto, qual é o lugar do artista?
Criar, apesar de tudo, é por vezes um ato de resistência silenciosa.
É preciso continuar a propor sentido, poesia, luz… mesmo que o eco nem sempre seja imediato.
Mas a realidade económica é dura, implacável.
Porque não, não criamos para enriquecer — mas sim, é preciso viver.
Comprar materiais, pagar o ateliê, suportar deslocações, exposições, website, impressões, comunicação…
O artista que não vende, ou vende pouco, vive uma tensão dolorosa: a de continuar a alimentar uma vocação, enquanto sustenta com esforço uma atividade que por vezes luta para se afirmar no espaço público.
E então, como fazemos?
Adaptamo-nos. Diversificamos. E muitas vezes… duvidamos.
Mas continuamos. Porque criar não é uma escolha — é uma necessidade.
O paradoxo do mercado: o hiper-luxo com fim fiscal
Outro paradoxo: enquanto alguns artistas lutam para vender uma única tela, outro lado do mercado floresce.
Obras muito caras, vendidas a empresas ou colecionadores através de mecanismos de leasing ou vantagens fiscais, alimentam uma certa forma de especulação artística.
O problema não está na fiscalidade em si — que pode ser, aliás, uma ferramenta positiva.
Mas surge uma questão essencial:
O que desencadeia a compra de uma obra?
A emoção sentida diante de uma criação… ou a promessa de um benefício fiscal?
Quando a arte se torna um valor-refúgio, um produto de investimento ou uma alavanca financeira…
o que resta do impulso original do artista, e do vínculo sensível com o público?
E se a arte fosse… vital?
Apesar de tudo, continuo convencida de uma coisa: a arte é uma necessidade silenciosa.
Não salva uma economia. Não alimenta uma família. Mas alimenta a alma.
E num mundo em sobressalto, onde por vezes perdemos os nossos pontos de referência, ela é um dos poucos espaços onde a beleza, a lentidão e a profundidade ainda têm lugar.
Criar num mundo em crise não é um luxo — é um ato de fé.
Fé na humanidade. Fé na capacidade que uma obra — pequena ou grande, modesta ou magistral — tem de tocar, revelar, despertar.
Por isso, continuo.
E sei que não estou sozinha.